Mulheres no Campo: produtora rural Elza Dória
19 Nov 2011
A Rural Centro, de olho nas tendências de mercado, vem acompanhando os avanços e conquistas das mulheres brasileiras, principalmente no campo. São ministras, senadoras, deputadas, presidentes de entidades, cargos importantes que vem sendo bem desempenhados por elas. Aliás, nossa nação está sendo governada por uma!
Desta forma, nada mais justo do que nos aproximarmos destas grandes mulheres que estão fazendo a diferença no setor rural. A partir de agora você acompanha esta nova série: Mulheres no campo.
A nossa entrevistada da semana é a produtora rural Elza Dória, no alto dos seus 82 anos, atuante produtora rural de Mato Grosso do Sul. Ela nos conta como foi sua trajetória no campo e as dificuldades encontradas pelo caminho. Confira:
Rural Centro - Trabalhar com o meio rural, foi algo planejado, como por exemplo, herança familiar, ou surgiu naturalmente?
Elza Dória – Foi por herança familiar do meu pai, Mário Mendes Gonçalves, mas desde garota me interessava “pelas lidas do campo”. Tive seis irmãos, mas nenhum foi fazendeiro. Mesmo cada filho tendo herdado uma fazenda e gado no município de Bela Vista, apenas eu me interessei. Assumi a Fazenda Margarida em 1980 quando meu marido, Cel. Pedro Dória Passos, passou para reserva. Foi quando viemos morar aqui em Campo Grande. Eu, que já gostava, tomei mais gosto. Passei a freqüentar o Sindicato Rural de Campo Grande – Acrissul – não perdia palestras nem cursos, fui virando “fazendeira mesmo”, inclusive virou até slogan de uma campanha que fizemos aqui.
RC – O acaso lhe transformou em fazendeira, a representar a classe feminina?
ED – Sim, daí em diante passei a fazer parte das diretorias e era uma das mais atuantes. No inicio as fazendeiras só faziam o social das entidades, mas não me conformava com isso. Por isso, quando soube que em São Paulo havia uma “Associação de Mulheres de Negócios e Profissionais”, imediatamente me associei à entidade em 1986. Dois anos depois, em 1º de dezembro de 1988, com mais 30 companheiras, fundei em MS a AMNP – CG, que era quase toda formada de pecuaristas, pois eram as minhas amigas. Hoje chama-se BPW – CG, pois é filiada a Business Profissional Women Internacional, cada vez mais atuante. Através da “força” que adquiri nessa entidade, consegui ser a primeira mulher no Brasil a ser eleita para diretoria de uma Federação Patronal. Em 1994 fui eleita por todos os sindicatos rurais do Estado a 1ª Diretora Tesoureira da Federação de Agricultura de Mato Grosso do Sul. Foi a glória! Foi durante a minha gestão na Diretoria que construímos a nossa sede linda da Famasul.
RC – E hoje, quais projetos participa?
ED – Atualmente escrevo uma Coluna: “Porteira Aberta” há muitos anos no Jornal do Sindicato Rural de Campo Grande. Falo de tudo, política, família, viagens e fazenda. Mas confesso que com quase 83 anos ando meio preguiçosa e, como tenho um neto, Rodolfo Vaz de Carvalho, biólogo de formação, com mestrado no Canadá e MBA em agronegócios, à frente dos negócios, virei “turista profissional”, porém sempre atenta.
RC - Certo dia vi em sua coluna um convite para uma exposição da Matte Laranjeira. Saudosamente, você se reportou a sua infância. Divida conosco suas lembranças na fazenda Campanário e o que lembra sobre a Companhia Matte Laranjeira?
ED - O artigo sobre a Matte Laranjeira que me transportou a infância daria um livro que realmente gostaria de ter coragem para escrever. A Matte foi fundada em 25 de julho de 1883 pelo Comendador Thomaz Laranjeira, Francisco Murtinho e Francisco Mendes Gonçalves, que era meu tio avô paterno, radicado em Bueno Aires, Argentina. Uma curiosidade: o nome Campanário foi em homenagem à capital da Ilha da Madeira, em Portugal. Como meu pai ficou órfão aos seis anos, o tio Francisco ajudou muito a família do papai. Tio Francisco foi para Argentina, meu avô Antônio Jacinto Mendes Gonçalves veio para Corumbá e tio Ricardo foi para Assunção. Naquela época eles formaram um micro mercosul. Como papai era funcionário da Matte, íamos sempre nas férias à Campanário.
RC – E como era a fazenda?
ED - Para mim era uma grande cidade, só adolescente fui saber que era uma fazenda, pois era muito mais adiantada que Ponta Porã, Bela Vista e Porto Murtinho, cidades que eu conhecia. Lá tinha fábrica de gelo (eu achava o máximo), escola, hospital, telefone nas residências, eletricidade, armazém, telégrafo, asilo de velhos, cinema, avião, hotel, hospital, clube, etc. Pra se ter uma ideia melhor, quando me casei em 1947 fui morar em Ponta Porã, lá não tinha gelo, eletricidade só durante seis horas por dia, nada de telefone, nem banco.
RC – Como foi o fim deste grande império?
ED - Em 1944, o então Presidente Getúlio Vargas foi com vários ministros visitar a Campanário para resolver se assinava o decreto proibindo a exportação da erva mate. Visitaram outras fazendas, fizemos desfile escolar, churrasco, música, passeio a cavalo com ele, enfim todos os paparicos possíveis, mas foi irredutível e acabou com essa empresa que trouxe o progresso para o sul de Mato Grosso e Paraná. E este foi o fim da Matte. E como meu pai trabalhou lá desde os 16 anos acabou conseguindo comprar a Fazenda Margarida. Foi um negócio de pai para filho e está na nossa família desde essa época.
RC - Como a senhora vê hoje o papel da mulher na gestão e sucessão familiar?
ED - O campo sempre foi predominantemente masculino. Hoje, nota-se cada vez mais, a atuação feminina. Hoje assumimos por herança, vocação, viuvez ou divórcio. Somos muitas e fortes. As mulheres estão poderosas, já na 2ª gestão na CNA (Confederação Nacional da Agricultura) temos uma mulher, moça, viúva, e que veio me conhecer quando eu era tesoureira da Famasul, a Senadora Kátia Abreu, do Tocantins.
RC - Na sua opinião, o que falta avançar?
ED - Acho que não falta avançar mais nada. É só querer, aprender e trabalhar bem. A tecnologia no Brasil, tanto para a pecuária como para agricultura, é das mais avançadas do mundo. O futuro é agora e já chegamos lá.
Galeria de fotos:
Fonte: Elaine Valdez - Rural Centro