A produção de energia no Brasil: resumo do papel do etanol e da cana-de-açúcar
(*) por José Luiz Alves Neto
As políticas públicas de curto prazo continuam atormentando a principal fonte de energia renovável do Brasil, o setor sucroenergético. Enquanto nos campos agrícolas as usinas continuam processando grandes quantidades de cana-de-açúcar para alimento, combustível e até exportando bioeletricidade, o governo deixa em aberto qual papel as indústrias deverão cumprir em longo prazo e afugenta os investimentos em novas unidades. O endividamento das indústrias transformadoras de cana-de-açúcar deverá chegar aos R$ 56 bilhões na safra 2012/13, R$ 4 bilhões a mais que na safra anterior, uma crise que já eliminou 18 mil postos de trabalho no Brasil em 2012, de acordo com divulgação do Dieese baseada em dados do Caged.
O pacote de incentivos ao setor anunciado semana passada pela presidente Dilma agradou às lideranças do setor produtivo, mas foi classificado como tardio e ainda insuficiente para influenciar na tomada de decisão dos investidores em construir mais greenfields (usinas novas com maior produtividade).
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A prioridade é retomar os investimentos em novas usinas, já que hoje não há unidades em processo de instalação. “A indústria sucroenergética precisa com urgência destravar os investimentos”, alertou a presidente da Unica, a União da Indústria da Cana-de-açúcar, Beth Farina, durante a inauguração da segunda unidade da AdecoAgro no cluster do Mato Grosso do Sul, possibilitando à empresa moer até até 10 mi/t de cana por safra. “Não está claro do ponto de vista do programa federal qual é exatamente a demanda em cima do setor. Não só a demanda, mas as medidas que vão viabilizar seu suprimento. Daqui a duas safras, nós vamos ter limitação de capacidade industrial instalada. Conseguiremos atender a demanda parcialmente, mas não dá para aproveitar todas as oportunidades de crescimento que existem tanto na demanda interna como na exportação”, avisou Farina.
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Há estimativas que preveem que o país deva contar com mais 100 usinas de cana-de-açúcar para atender a demanda pelo combustível barato, sustentável e que deverá ser responsável por faturar US$ 3,2 bilhões com exportações em 2013, crescimento de 41,2% comparado ao ano de 2012, segundo dados da Markestrat, Centro de Pesquisa e Projetos em Marketing e Estratégia da USP. Atualmente, o Brasil tem 401 usinas cadastradas pelo Ministério da Agricultura, mas vem perdendo várias unidades devido à dívida do setor. Na safra 2012/13, 42% dos grupos do setor sucroenergético acumularam prejuízo de R$ 107 por tonelada moída. Nas próximas quatro safras, aproximadamente 60 usinas deverão parar de moer.
Em Mato Grosso do Sul, quinto maior estado produtor de cana e um dos estados expoentes na produção de etanol e bioeletricidade, a inauguração da segunda unidade da usina AdecoAgro, na última sexta, 26, em Ivinhema (distante 285 km da capital Campo Grande), pode até mascarar os problemas das indústrias. A usina, cuja decisão pela construção foi tomada em 2008, tem capacidade para moer até seis milhões de toneladas de cana por safra, mas o estado e o país precisam – e devem – produzir muito mais do que indica a capacidade atual. Enquanto o mercado mundial de açúcar tem crescimento anual previsível (e o Brasil pode ser responsável por até 60% deste mercado), o de etanol tem futuro incerto, pois a frota de carros flex cresce todo ano e pequenas mudanças no comportamento do consumidor e na política de preços do governo podem fazer com que a cadeia produtiva perca oportunidades. Atualmente, 81% dos veículos leves brasileiros (19 milhões de automóveis) e 61% das motocicletas são bicombustíveis.
Mais do que uma oportunidade econômica, gerando divisas através da exportação para países que precisam de combustíveis de fontes renováveis, como EUA e membros da UE, a produção brasileira de etanol tem o compromisso com a sustentabilidade ambiental, reduzindo o uso de combustíveis fósseis. Hoje, 44,1% da energia brasileira provém de fontes renováveis e a cana-de-açúcar responde por 15% de toda a energia consumida internamente, sendo a primeira alternativa aos combustíveis tradicionais. Por aqui, o uso da energia provinda da cana tem potencial para reduzir em até 90% a emissão de gases de efeito estufa quando comparada à gasolina. Mais de 30 países já abriram os olhos para a redução das emissões de GEE e estão em fase de criação ou implantação dos seus planos para aumento do uso de energia renovável no setor rodoviário, responsável por até 80% das emissões dos gases poluentes, segundo o IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas). Ou seja, muita gente vai precisar do etanol brasileiro.
Consumo de etanol no Brasil
O Brasil consome 49,4 bilhões de litros de gasolina equivalente por ano. 29,4 bilhões são supridos por combustíveis fósseis extraídos no país, 15,7 bilhões vêm da oferta de etanol e outros 4,3 bilhões de litros vêm da importação de combustíveis. Em 2012, a Petrobras importou 3,78 bilhões de litros de gasolina. Como o preço é controlado artificialmente pelo governo - uma das principais críticas do setor sucroalcooleiro por tornar injusta a competição de preço entre os combustíveis -, a companhia estatal tem um prejuízo de aproximadamente R$ 0,33 por litro. Somando toda a importação de 2012, a Petrobras teve um prejuízo superior a R$ 1,2 bilhão. Mantidas as previsões da Unica, as importações de gasolina entre 2016 e 2021, projetadas em 85 bilhões de litros, abririam um rombo de R$ 28 bilhões. Tudo isso, no entanto, pode ser suprido pelo etanol.
Em 2021, o Brasil estará consumindo 75,1 bilhões de litros de gasolina equivalente, segundo projeções da Unica. Acontece que a oferta interna de gasolina deverá manter-se firme em 29,4 bi de litros e o país tem capacidade para produzir hoje menos de 30 bilhões de litros de etanol. Caso não haja um grande salto tecnológico e a instalação de novas usinas, o país continuará gastando com a importação de combustíveis e limitando sua geração de receitas, consequentemente prejudicando o crescimento anual, tão criticado neste início de 2013, quando foi carinhosamente apelidado de Pibinho.
O Brasil deve entender que para distribuir renda e aumentar o crescimento do PIB é preciso gerar a renda, não baseá-la no crescimento do consumo interno. É nisto que insiste o Prof. Dr. Marcos Fava Neves, professor titular de estratégia, planejamento e marketing do FEA/USP, um dos criadores do Markestrat e professor visitante da Purdue University (EUA, 2013). No que ele insiste em chamar de “miopia”, o Estado limita sua visão para as oportunidades que a agroindústria oferece à sociedade brasileira. Em palestra durante o seminário “Agroenergia em curso” 2013, uma iniciativa do Projeto Agora, que visa integrar a comunicação e o marketing da produção de energias limpas, renováveis e sustentáveis de origem agrícola, Fava Neves mostrou um quadro impressionante que compara em números o antes e o depois de uma pequena cidade do interior de Goiás que teve uma usina de cana-de-açúcar instalada em 2008. Entre outros, há uma variação de +169% no número de empregos formais, +197% na arrecadação de ICMS e +360% no número de empresas em operação na cidade de Quirinópolis. Veja detalhes no quadro abaixo:
Indicadores de Desenvolvimento de Quirinópolis-GO | ||||||||||
2002 | 2003 | 2004 | 2005 | 2006 | 2007 | 2008 | 2009 | 2010 | 2011 | |
Empregos formais (em unid.) | 4.047 | 4.332 | 4.123 | 5.128 | 6.826 | 8.901 | 8.775 | 9.311 | 9.957 | 10.971 |
Frota de veículos (em unid.) | 8.065 | 8.887 | 9.821 | 10.078 | 11.459 | 12.553 | 14.276 | 16.908 | 18.968 | 23.428 |
ICMS (em mil R$) | 8.192 | 10.241 | 7.866 | 8.074 | 14.506 | 13.572 | 14.929 | 22.297 | 21.563 | 24.335 |
ISS (em mil R$) | 914,9 | 2.767,4 | 4.728,7 | 8.211,4 | 4.393,3 | 5.726,4 | 9.040,8 | |||
Número de empresas (em unid.) | 722 | 839 | 988 | 1.272 | 1.546 | 1.875 | 2.202 | 2.753 | 3.102 | 3.324 |
População estimada (em unid.) | 36.982 | 37.201 | 37.659 | 37.913 | 38.165 | 38.064 | 39.485 | 39.756 | 43.220 | |
Receitas do Município (em mil R$) | 33.849 | 28.225 | 28.219 | 31.643 | 40.426 | 50.366 | 61.350 | 60.595 | 65.875 | |
Renda per capita (R$) | 7.593 | 7.572 | 8.359 | 9.678 | 13.401 | 14.971 | ||||
Rendimento médio (R$) | 416,81 | 485,06 | 528,57 | 628,71 | 704,51 | 827,09 | 1.014,16 | 1.124,42 | 1.238,51 | 1.483,23 |
Fontes: Seplan-GO, Detran-GO. Extraído da palestra de Fava Neves.
Mais uma vez, a oportunidade bate à porta da nossa nação, que tem não somente o poder de escolha, mas a responsabilidade de levar ao mundo o combustível mais sustentável que se tem conhecimento atualmente. A produção e distribuição de energia no Brasil pode se transformar a partir de modelo negativo, como é taxado hoje, para o melhor do mundo com mudanças simples, como agilidade na distribuição de créditos para comprar equipamentos para novas unidades e agregação de valor aos produtos que derivam da cana pelos benefícios ao meio ambiente, por exemplo. Além disso, há novas tecnologias em estudo, como o etanol 2G, feito a partir do bagaço e da palhada da cana. Será mais uma oportunidade das usinas diversificarem suas receitas e não ficarem à mercê do mercado, tendo a capacidade de produzir desde novos tipos de combustíveis até cosméticos e detergentes. Quanto aos combustíveis fósseis, que não devem ser vistos como vilões, eles podem – e vão – gerar grandes receitas para o Brasil com sua exportação, ainda mais com a descoberta do pré-sal.
“Meu desejo é que as externalidades do nosso setor sejam reconhecidas. Quando fizer isso, o Brasil vai ver que precisa cada vez mais de etanol, cada vez mais de energia e precisa continuar na liderança do mercado de açúcar. O crescimento do setor sucroenergético é um modelo de ganha-ganha para o Brasil. Certamente a nosso papel na matriz energética vai ganhar relevância”, resumiu o presidente da Asociação dos Produtores de Bioenergia do Mato Grosso do Sul, a Biosul, Roberto Hollanda Filho. “É importante que se tenha visão clara do ponto de vista de quem elabora política pública e de quem a implementa qual é o papel do etanol na matriz de combustíveis brasileiros e qual o papel da biomassa na matriz elétrica. Isso dá um sinal claro de quanto nós temos que investir”, requisitou Beth Farina, presidente da Unica.
Durante seu discurso na cerimônia que marcou o início das operações da nova usina de MS, Farina destacou uma frase do hino nacional: verás que um filho teu não foge à luta. “O setor, que outrora foi achincalhado por gente dizendo ele ser deletério para o meio ambiente, passou pelas dificuldades e não tem fugido à luta causada pelos decessos ocorridos ante as situações econômicas da nação e das regiões que ocupa. Em trabalho mostrado pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) na Rio+20, mostramos que essa cadeia produtiva é verdadeiramente de energia limpa, renovável, perene e com tecnologia brasileira para exportar para o mundo”, reconheceu o governador do Mato Grosso do Sul, André Puccinelli, durante o evento.
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(*) José Luiz Alves Neto é jornalista, trabalhou como produtor executivo em televisão segmentada para o agronegócio e atualmente é chefe de redação da Rural Centro.