Dá para imaginar o que seria da vida dos brasileiros sem a abundância que brota dos campos agrícolas? Haveria menos emprego, visto que todo o agronegócio é responsável por cerca de 37% dos postos de trabalho no país, menor diversificação dos alimentos e preços mais caros. Segundo a última Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), as famílias do país gastavam 33,9% de seu orçamento com alimentação em meados da década de 70, porcentagem que caiu para 19,8% em 2009. Em termos econômicos, em 2013 o desastre seria maior caso o setor não contabilizasse US$ 99,97 bilhões em exportações. O saldo da balança comercial de US$ 2,56 bilhões (o pior desde 2000) ficaria negativo em US$ 80,41 bilhões se considerarmos o resultado final do saldo da balança comercial do agronegócio, subtraindo as importações na ordem de US$ 17 bilhões.

Foi esse potencial e o desafio de gerar riqueza a partir da terra que seduziu ainda em 1974, então com seis anos de idade, o atual engenheiro agrônomo e professor titular da Universidade de São Paulo Marcos Fava Neves. “Além de o meu avô materno ter sido fazendeiro, desde os seis anos de  idade, quando meu pai mudou-se do Instituto de Economia Agrícola em São Paulo (IEA-SP) para dar aulas na Esalq (Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz"), eu vivi dentro da Escola, acompanhava seus trabalhos e viagens a congressos. Então foi por osmose que me apaixonei pela agricultura e pela ESALQ”, lembra Fava Neves.

O professor é um dos palestrantes que integra a grade de programação do CONFINAR 2014, simpósio que trata da intensificação das atividades agropecuárias e que acontece entre 6 e 7 de maio na capital sul-mato-grossense, Campo Grande. A apresentação trará aos congressistas o tema “Reflexos e reflexões: os gargalos do agronegócio brasileiro e sua influência na macroeconomia”. Na entrevista baixo, o professor explica como agronegócio passou a ocupar posição de destaque principal da economia brasileira, como deve se comportar para continuar sustentando o papel de celeiro do mundo e qual é a parte que cabe ao produtor rural para ajudar a elevar o setor..

Marcos Fava Neves Lattes FotoRural Centro: Depois de se formar em agronomia em 1991, qual foi o próximo passo em sua carreira?
Marcos Fava Neves: Eu gosto de escrever e pesquisar, então tive duas oportunidades: fazer o mestrado na ESALQ em Economia ou na FEA, em São Paulo, em Administração, e foi esta a opção que fiz. Queria trabalhar com o Decio Zylbersztajn, que foi o precursor do pensamento científico em cadeias produtivas no Brasil, criador do Pensa (Centro de Conhecimento em Agronegócios) e, para mim, o maior cientista do agronegócio brasileiro.

RC: Durante este período, como ocorreu sua especialização?
MFN
: Tive a chance de trabalhar com Zylbersztajn e aprender muito com ele e seu time. Já são 22 anos de amizade. Durante o mestrado, pude fazer um curso na França e, em seguida, Doutorado na mesma FEA, com o Prof. Marcos Campomar, grande pensador do planejamento estratégico de marketing no Brasil. Também no doutorado fiz parte na Holanda, em Wageningen, lugar amável. Segui a carreira acadêmica sendo contratado pela FEA-RP em 1995, fiz Livre-Docência em Planejamento Estratégico e consegui, aos 40, chegar a Professor Titular na USP, instituição que eu amo e sou muito grato, tentando retribuir tudo o que dela recebi.

RC: Desde que o senhor passou a atuar na área como profissional, quais foram os avanços do agronegócio de forma geral?
MFN: Quando terminei agronomia pela ESALQ, em 1991, o Brasil vivia um triste cenário. Tanto na esfera Federal quanto na Estadual estava tudo uma bagunça. Nosso país estava desorganizado, com inflação galopante, um presidente que receberia impeachment e ambiente econômico deteriorado. Não era a pujança que os agrônomos formados nos últimos 15 anos viveram.

RC: E como o agronegócio brasileiro se recuperou e levou consigo, por tabela, a economia?
MFN
: Foram muitas as mudanças - serão maiores ainda - e o agricultor brasileiro conseguiu se adaptar. Destaco:
- Aumento da volatilidade de preços na agricultura do mundo;
- Novos riscos devido às mudanças climáticas e políticas governamentais;
- Portfólio tecnológico e acesso a tecnologia assumindo uma posição cada vez mais importante;
- Aumento na concentração dos produtores rurais (mais propriedades sendo gerenciadas por um número menor de produtores);
- Maior acesso a informações, a maioria destas de graça;
- Mudanças no comportamento do produtor, cada vez mais profissionalizado e informado;
- Diversificação da agricultura para outras regiões e atividades, incluindo integração com pecuária e floresta;
- Agricultores se tornando mais capitalizados, mas ainda necessitando de crédito devido à volatilidade de preços/custos;
- Aumento da necessidade de capital e restrições sobre o uso da terra;
- Aumento de oportunidades para o trabalho urbano;
- Escassez de recursos necessários para a produção agrícola.

RC: E quais são as consequências dessas transformações?
MFN
: Estas mudanças no ambiente dos produtores agrícolas trazem vários impactos para os membros da cadeia produtiva de alimentos, entre eles destaco:

- Mudança no balanço de poder na direção dos agricultores;
- Cada vez mais organização dos agricultores em grupos de compra, cooperativas e centrais de cooperativas;
- Necessidade de se aumentar a escala como princípio básico para ganho de eficiência e redução de custos;
- Aumento no custo da mão-de-obra no campo;
- Agricultores mais informados, aumentando constantemente o conhecimento técnico e mercadológico;
- Aumento nos custos para se adequar às legislações ambientais mais restritivas;
- Necessidade de boa gestão da terra, ativos e custos;
- Vários atributos de compra demandando diferentes abordagens para atender a diferentes perfis de agricultores;
- Combinação entre atributos técnicos, relacionais e de preço está se tornando cada vez mais importantes ao se analisar o comportamento de compra dos agricultores;
- Maior disponibilidade de informação sobre o fornecimento de produtos e serviços e também sobre os preços praticados em diferentes regiões;
- Necessidade de desenvolver novas alternativas de suporte e crédito para atender as necessidades de capital de giro dos agricultores;
- Aumento da exposição ao risco e da demanda por capital devido à oferta de produtos e serviços mais sofisticados no mercado;
- O uso da tecnologia irá permitir mudanças incríveis no futuro, a maioria relacionada à agricultura digital (“nas nuvens”).

RC: Nós falamos de consequências imediatas, mas qual é a projeção para o futuro a médio prazo?
MFN
: Nos próximos vinte anos, temos palco mundial garantido para o agro dar seu show de maneira muito mais vigorosa para nosso desenvolvimento econômico, ambiental e social. Mas o Governo Federal vem mantendo o Ministério da Agricultura sem holofotes e outros órgãos federais ligados ao importante tema agrícola loteados.

Marcos Fava NevesRC: De que forma esse enfraquecimento das instituições agrícolas prejudica o setor?
MFN: (O Governo Federal) Não resolve os entraves logísticos, tributários, trabalhistas, financeiros, ambientais, de governança, de pesquisa, de seguros, segurança, entre outros que apontamos. Se nosso Governo desse ao agro o suporte necessário, com absoluta prioridade de gestão, um show de renda adicional seria trazida, beneficiando o próprio Governo em seu projeto de perpetuação de poder.

RC: É possível descrever um cenário hipotético no qual não existisse agronegócio no Brasil, projetando os números do nosso PIB e da balança comercial sem o agro?
MFN
: Silenciosamente as cadeias produtivas do agronegócio brasileiro seguiram 2013 no seu caminho de produzir e gerar renda, empregar para distribuir renda e contribuir com a economia brasileira. O valor bruto da produção do agro brasileiro chegou a R$ 470 bilhões, 11,3% maior que em 2012. Deste total, cerca de 66,5% referem-se a agricultura e 33,5% a pecuária. Renda gerada que moveu inúmeros outros setores econômicos do que chamo de Brasil-Chinês, que é o Brasil do agro. 

As exportações encostaram em US$ 100 bilhões, 4,3% acima de 2012. As importações também cresceram 4%, chegando a US$ 17 bilhões, o que proporciona um incrível saldo de US$ 83 bilhões em 2013. Só em soja foram US$ 31 bilhões, chegando a 31% do total brasileiro. Sojicultores tiveram a façanha de exportar 10 milhões de toneladas a mais em 2013.

Nossa deteriorada balança comercial fechou o ano com saldo de pouco mais de US$ 2,5 bilhões, o pior resultado desde 2000. O Governo só não jogou o país para déficit na balança devido à criativa operação de se exportar as plataformas de petróleo que nunca deixaram o Brasil. Só isto gerou US$ 7,7 bilhões em “exportações”.

RC: O que o produtor rural, seja ela agricultor, pecuarista ou ambos, ainda precisa entender nessa grande engrenagem que é o agronegócio para que ele seja mais eficiente dentro da porteira?
MFN
: A agenda do produtor envolve diversos itens, independente da cultura que ele está produzindo. São eles:

1 - Gestão da propriedade, foco em custos;
2 - Agenda da inovação e produtividade;
2 - Uso de ativos: + ação coletiva local e consórcios;
3 - Fortalecimento das associações;
4 - Fortalecimento das cooperativas;
5 - Diversificação e especialização;
6 - Comprometimento (resgate da cidadania);
7 - Estratégia política (2014!) em prol do agro.

Mercado, integração e produção sustentável
O CONFINAR 2014, simpósio realizado em parceria entre Rural Centro e Beef Tec, acontece entre 6 e 7 de maio em Campo Grande, capital sul-mato-grossense. As inscrições estão abertas e têm desconto por tempo limitado.

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