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(*) por Carlos Gattass

Quando o assunto é pecuária de corte, logo vem a fala de alguém sobre como é difícil investir em uma atividade que hoje está com margem apertada. Na verdade está quase tudo assim. A globalização fez todo mundo ficar com margem apertada, mas a pecuária, principalmente de alguns anos para cá, vem ficando pior.

Psicologicamente é complicado investir em uma atividade que está desse jeito. A gente escuta pecuarista falar “eu vou sair, vou comprar imóvel, plantar toda minha fazenda de soja, vender a fazenda e investir em outro setor”.

Enfim, é um desânimo geral e eu não sei se é na mesma intensidade de 2005/2006, na época daquele boi de 40, 42 reais. Eu lembro que quando vendia bem, vendia por R$ 44 e você tinha que ligar para o frigorífico com 60 dias de antecedência, com a escala de confinamento pronta. O boi que tinha entrado no cocho devia ter definido o dia de sair porque você precisava colocar na escala com 60 dias de antecedência. Não tinha essa comodidade de conseguir vender com uma semana de escala. Era complicado. Nessa época eu era responsável por uma agropecuária que matava 25 mil cabeças por ano e era um estresse. Em vez do estresse ser para o confinamento dar lucro, era um estresse para você conseguir matar o boi ou você ter o boi no dia que você marcou a escala, porque se você perdesse essa escala, não conseguia mais encaixar o boi tão fácil.

Mas eu vinha falando de investimento e é difícil você entender que esse momento pelo qual a pecuária passa, a fase de baixa do atual ciclo pecuário, pelo menos no meu ponto de vista, é de adaptação, digamos assim, do jeito de produzir. É a pecuária apertando cada vez mais quem não produz de forma eficiente. Isso começou lá na época do Fernando Henrique (Cardoso, ex-presidente da República entre 1995 e 2002), quando igualou o Real ao Dólar.

Como você vai falar em investimento em uma situação dessa? Eu não acredito que do jeito que está vá ficar. Eu sinceramente não estou com esse excesso de pessimismo que a gente escuta por aí. Acredito muito no bezerro como termômetro disso aí tudo. Se a oferta de bezerro não está abundante - pode até ser que tenha mais bezerro hoje do que tinha em 2008 - se o bezerro não cai de preço, o boi também não vai cair exageradamente. Pode ser que aconteça como no final de 2012 aqui no MS que saiu de um boi de 92 reais para um boi de R$ 87 temporariamente. Mas está aí o boi de novo de R$ 92 hoje, no dia 19 de fevereiro de 2013.

Conversando com algumas pessoas, eu fico me questionando e a minha natureza técnica não me deixa pensar de um jeito diferente. Quando vai falar de investimento de pecuária, o primeiro pensamento é o seguinte: “para que eu vou investir para produzir mais e, produzindo mais, eu vou ofertar mais do meu produto e, provavelmente, vou vender mais barato?”. Eu não vejo outra saída. Eu não vejo alternativa para a pecuária do jeito que ela está sem investimento, sem se fazer produzir mais.

+ Preço: arroba do boi gordo

É difícil essa situação, mas eu vejo que quem conseguiu passar por essa fase está bem na atividade, mesmo com esse boi de 90 reais. Mesmo com esse custo de produção altíssimo, ele está bem. Lógico que a despesa pessoal e as retiradas da fazenda não são tão folgadas quanto eram há 20 anos.

Foto de Pilheta: Embrapa Pantanal / Saulo CoelhoA pecuária vem indiscutivelmente passando por aperto, mas várias atividades que hoje estão bem já passaram por aperto. Eu vejo gente ligada na integração pecuária-agricultura, pecuária-agricultura-floresta e vejo que esse pessoal está com a pecuária crescente. Eu vejo exemplos de fazendas que não tinham sistema de pasto rotacionado, não tinham aguada artificial com pilheta e hoje a fazenda está dividida em módulos de 100 hectares, cada um com oito piquetes de 12,5 hectares. Tem aguada central, tem cocho fixo coberto, que custa caro para fazer, pasto de qualidade todo ano entrando no sistema e, por outro lado, o pior pasto sendo entregue para agricultura. Existem casos de sucesso e pecuária crescente mesmo com esse boi de 90 reais. Gente que vive da pecuária, produtor de médio porte que passou por 2005/2006 e agora está bem.

Então vem a pergunta na minha cabeça: será que a gente deve ou não deve investir? Eu acho que tem que investir, sim. Momentos de margens apertadas para mim não são eternos e eu acho que esses momentos servem para a gente refletir como se deve investir. E que a gente deve se preparar para os momentos em que a pecuária nos dá fôlego, como 2008, 2010 e 2011, por exemplo, que foram anos bons. Para mim foram anos bons. Quem se preparou para essa época colheu frutos. Engordou o caixa, pôde fazer grandes investimentos. Então eu acho que a coisa é mais ou menos por aí.

Se tirar o pé de uma vez da atividade, a gente não vai conseguir surfar quando a onda vier. E a onda vai vir.

A demanda é crescente, o mundo precisa de carne. Todo mundo fala a mesma coisa. Não existe ninguém que discuta essa demanda. A gente tem que produzir de um jeito eficiente, que pague a conta, mas tem que investir, tem que produzir. Então quando alguém me questiona: “será que devo investir? Vou produzir mais para quê? Para ofertar meu produto a um preço cada vez mais barato?”, eu não vejo por aí. Para que a pecuária consiga manter-se competitiva comparada com outras atividades, precisa investir. Tem que ter aumento de lotação sem degradação da pastagem, tem que dividir invernada, tem que fazer aguada central, vai ter que fazer limpeza/reforma de pasto, fazer investimento em reprodução, em nutrição. Não dá mais para largar a pastagem se acabar com pouco tempo. Não dá para aumentar a lotação sem retornar fertilidade para o solo. Aliás, retornar fertilidade para o solo é algo extremamente complicado hoje, não sobra dinheiro para retornar fertilidade, então tem que fazer planejamento de longo prazo. Tem que construir hoje para morar amanhã, tem que plantar hoje para colher amanhã. Não dá para querer imediatismo na pecuária.

Não é um quadro simples, mas tem solução. Quem está descapitalizado e quer mudar tem que estudar e ser arrojado. Tem que entrar no banco, pegar dinheiro a 2,5% para comprar maquinário, tem que entrar no banco e pegar dinheiro para custeio, FCO a 5% ao ano. Isso aí não está remunerando nem a inflação do dinheiro, então o governo emprestando a 5% ele está perdendo no mínimo 1% se a inflação continuar acima de 6%. Eu acho que a coisa é mais ou menos por aí. Agora que a gente precisa produzir mais por unidade de área envolvida na pecuária, isso a gente precisa. Eu não vejo alternativa para a pecuária se sustentar sem que seja feito investimento para aumentar capacidade de lotação. Aqui dentro do estado (Mato Grosso do Sul) a gente já vem perdendo área para soja, cana, eucalipto, etc e eu não consigo enxergar excesso de oferta como em 2005, pelo menos no Mato Grosso do Sul. Pode ser que em alguns estados, temporariamente, a gente tenha excesso, mas não acredito que ao todo isso aí vá acontecer.

Eu acho que a gente precisa investir, produzir mais, ser mais eficiente, ter mais boi por hectare, mais genética e mais nutrição. Se fosse na Europa ou nos Estados Unidos, talvez a solução fosse um controle de produção temporário para não existir excesso de oferta. Mas no Brasil não tem alternativa. Isso nunca vai acontecer. Então a gente precisa produzir em escala para ter o que vender e ter recurso para retornar fertilidade para o solo e investimento para a fazenda. Eu acho que desacelerar, segurar o máximo de dinheiro no bolso, investindo em outros setores que não a pecuária, como a compra de imóveis, é um tiro do pé. Seria ótimo se o pecuarista conseguisse engordar o caixa, fazer os investimentos que tiverem que ser feitos para surfar quando a onda vier.

Carlos Gattass

 

(*) Carlos Gattass é médico veterinário e mestre em ciência animal com ênfase em nutrição de ruminantes pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e sócio-diretor da Rural Centro.

Foto: Thaiany Regina / Rural Centro



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