Lobo - meu cachorro, crônica por Osvaldo Piccinin
(*) por Osvaldo Piccinin
Meu pai sempre gostou de um bom animal de sela - cavalo ou mula - e um cachorro para ajudá-lo na lida do gado. Lembro-me que nosso primeiro cão chamava-se Tarzan, por sinal muito inteligente e dócil com a família. Ficou em nosso convívio por quatro anos até ser atropelado por um caminhão. Sua morte de forma traumática foi sentida por toda família e, para suavizar a tristeza, ganhamos outro – um cruzamento de pastor alemão com vira- lata, mas não menos ativo, brincalhão e querido que o Tarzan. Foi batizado pelo nome de Lobo.
Muitas vezes o fazíamos de travesseiro no quintal de casa, outras o mandávamos buscar objetos esparramados – principalmente chinelos. Não demorou muito e o Lobo ganhou o carinho e a confiança da família. Todas as vezes que meu pai chegava da roça chamava-o para ajudar a tirar carrapichos grudados nas pernas da calça -, tarefa que fazia com muita eficiência e rapidez.
Na lida do gado era campeão. Agarrava uma rês pelo focinho e só largava quando meu pai gritava seu nome com firmeza. Era um excelente reprodutor, demonstrou isso ao cruzar com uma cadela do vizinho - nasceu uma bela ninhada, digna de uma foto preto e branco que, apesar de desbotada, guardo comigo até hoje.
Numa tarde, ao cair da noite, meu tio foi até nossa casa fazer uma reclamação sobre o mau comportamento do nosso cachorro – havia matado duas de suas galinhas. Era tudo o que eu não queria ouvir, pois eu conhecia o temperamento e principalmente o caráter do meu pai em relação a não admitir coisas erradas que pudessem causar prejuízos a outrem.
Ao despontar na porteira, corri contar-lhe a tragédia. Claro, de forma sutil, acreditando que meu velho deixaria isso pra lá, mas foi em vão. Aplicou-lhe uma tremenda surra de fazer dó. Parecia que as chibatadas eram em minhas costas. Que pena eu sentia! Na roça a gente sabia que uma vez adquirido este costume, jamais o perderia.
Passaram-se três meses e tivemos a impressão que o Lobo tinha aprendido a lição, mas que nada – lá vem meu tio novamente, desta vez o danado tinha matado mais duas galinhas. Aí o bicho pegou!
Meu pai, morrendo de raiva e vergonha, pediu que entrássemos em casa, porque ele queria ter uma conversa particular com o cachorro.
- Não irei surrá-lo ,fique tranqüilo. Apenas terei uma conversa curtinha com o Lobo, nos disse.
Fiquei escondido atrás da porta para ouvir a tal conversa, mas ao apanhar a espingarda, pressenti cheiro de tragédia no ar. Eu não queria acreditar na sua coragem de fazer aquilo com o nosso estimado cachorro, apesar de todas suas artes.
Sentado no terreiro com a língua de fora, como estivesse me esperando para brincar - assim fazíamos todas as tardes - levou um tiro certeiro no peito, e se foi nossa riqueza! Todos choraram muito, inclusive meu pai, e um rastro de tristeza impregnou nosso lar por vários dias.
Para mim foi um grande choque e até hoje fico me perguntando qual seria outra forma de puni-lo sem ter de sacrificá-lo. Mas todos confirmaram os dizeres de meu pai, na ocasião, que olhando nos meus olhos disse:
- Filho, infelizmente não teve outra saída, pois ele jamais deixaria este costume e continuaria nos envergonhando para sempre. Vamos arrumar outro cão, amanhã mesmo.
E assim foi feito.
E VIVA O LOBO!
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(*) Osvaldo Piccinin é engenheiro agrônomo formado pela ESALQ e sócio-fundador da Agro Amazônia.