(*) por Osvaldo Piccinin

Paiol cheio era sinal de um ano de fartura. Frangos gordos à vontade no terreiro, tropa bem tratada e porco gordo no chiqueiro! Dinheiro? Pra que dinheiro? Felicidade é coisa simples e custa barato. Bons tempos! A esperança por dias melhores se renovava a cada ano.

Em meados de setembro caíam as primeiras chuvas - prenúncio do plantio de milho -, sinal que se o ano corresse bem de chuva, uma colheita venturosa avizinhava-se.

Nossa propriedade era pequena. Nossos recursos eram parcos. Mas nossa vontade de trabalhar e produzir evidenciava-se nas prosas da soleira de nossa porta, nos finais de tarde e na luta do dia a dia. O plantio de milho era feito com matracas que deixavam cair uma sementinha de cada vez. Coberta com a terra fofa empurrada pelo bico de nosso rústico sapatão, feito com sola de pneu. Estava quase completa nossa nobre tarefa. Agora só nos restava torcer pra chover.

Ao ver nosso milharal em ponto de pamonha um ar de “valeu a pena” tomava conta da colônia. Neste estágio a lavoura estava praticamente salva. A não ser que houvesse uma inesperada e extemporânea seca, conhecida por estiagem ou veranico.

Éramos mais de cinco famílias na colônia.  Em meados de dezembro a italianada se mobilizava para fazer receitas deliciosas com este rico produto. Esbaldávamos com milho cozido, assado, pamonha, cural, bolo de milho, broa, suco, quitutes e outras mais.

A colheita nem sempre se tornava uma agradável tarefa, pois os doloridos espinhos de carrapicho nos espetavam sem piedade. Para cada espinhozinho fincado, uma pequena infecção nascia.  

Colhíamos espiga por espiga e íamos fazendo pequenos montes na roça para depois, com a ajuda de um balaio ou jacá, juntarmos e transportarmos até ao paiol, numa carroça rangedeira.  A produção era contabilizada em “carros” - uma medida usada naquela época e talvez comum, ainda hoje, em alguns cantos do Brasil.

Antes de chegar a nova safra, tínhamos a limpeza do paiol, tarefa esta que muito apetecia a molecada. Tratava-se da retirada dos restos da safra passada, bem como a desinsetização e a desratização do local. Nesta última, fazíamos a festa exterminando a “rataiada” para a alegria da molecada.

Uma vez higienizado, íamos colocando uma camada de veneno em pó - muito tóxico por sinal - e uma camada de milho recém colhido e assim sucessivamente. Enchia- nos de segurança ver nosso paiol bufando até ao teto!

Num cantinho ficavam nossas ferramentas de trabalho, tais como enxada, foice, forca, garfo, pás, enxadão, ancinho e outras mais. Logo em cima, perto da cumeeira, penduradas num gancho de madeira, ficavam nossas varas de bambu para pescar lambaris nos finais de semana, além de alguns cachos de banana amadurecendo.

Coberto com telhas de barro ou capim sapé, nossa riqueza ficava a poucos metros da porta da cozinha. Lá também guardávamos a safra de abóboras, que tanto serviam para os mais diferentes tipos doces como para tratar dos porcos na entressafra.

O moinho de fazer quirera para tratar os pintinhos também tinha seu lugar num cantinho do paiol. As barras de sabão de cinza eram feitas em grandes tachos no terreiro e ocupavam uma prateleira rústica fixada na parede. Réstias de alho e cebola enfeitavam o varal de madeira suspenso à meia altura do teto.

Lembro-me de presenciar todo dia pela manhã meu tio e primos fumantes escolhendo a melhor cabeça de palha para fazerem seus cigarros de fumo de rolo.

Uma de minhas funções era, todo santo dia, tratar das galinhas no terreiro. Que alegria ver a festa da bicharada disputando cada grão de milho. Eu tinha uma ordem expressa de minha avó: guardar os maiores sabugos, pois naquele tempo ainda não tinham inventado o papel higiênico, ou, se tinham, a roça desconhecia. Mas as três nobres funções do sabugo eram do conhecimento de todos os usuários.

E VIVA O PAIOL DE MILHO!

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Osvaldo Piccinin Crônicas
(*) Osvaldo Piccinin é engenheiro agrônomo formado pela ESALQ e sócio-fundador da Agro Amazônia.

Foto: Thaiany Regina / Rural Centro



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