Vamos fazer chover
Frutas de Janaúba: variedade, vistosidade e qualidade que vem de clima e solo perfeitos e irrigação.
Janaúba, norte de MG, vence mais uma batalha contra estiagem
(*) por Daniel de Paula
O produtor rural do norte de Minas Gerais é cada vez mais um herói. Posso dizer isto pelo que vi e vivi nos últimos 12 dias em que participei da transmissão da 32ª Exposição Agropecuária de Janaúba (Expo Janaúba 2013) pelo Canal do Boi. Há muito se cobra providência para o problema trazido pela pior estiagem dos últimos 60 anos, que deixou vários municípios em estado de emergência. Pois no norte mineiro a turma já tomou as providências. Foi atrás de soluções e driblou a seca emendada na seca anterior e se preparou para se a próxima teimar em tentar atrapalhar a produção pecuária ou de frutas.
Janaúba é considerada berço da fruticultura. Cada ano que passa é mais prazeroso ver a exposição de manga, banana prata, goiaba, mamão papaya e/ou formosa, cajamanga, melancia, caju, limão-taiti e tantas outras variedades que a região exporta para o restante do Brasil e até para a Europa. São mais de 10 mil hectares que só são produtivos por causa da irrigação. E a fonte está secando por causa da estiagem, que derramou naqueles campos nos últimos dois anos um volume de chuva não muito superior aos 600mm em média. Índice que colocou em risco 12 mil empregos diretos e uma renda superior aos R$ 72 milhões, só pra citar Janaúba e Nova Porteirinha, que se dividem pela barragem que abastece os aspersores.
A barragem do Bico da Pedra (foto abaixo) vem do Rio Gorutuba, que dá nome aos nativos daquela região. Com um volume de água normal de 750 milhões de m³ (para se ter uma idéia, a Billings, que abastece a cidade de São Paulo, tem 950 milhões de m³), aquele oásis no meio das montanhas do semiárido mineiro está 11 metros abaixo do seu volume normal. Por gravidade a água já não desce mais para abastecer os pomares. Foi preciso levantar verba para bombear. Depois, a partir de agosto de 2012, a utilização dessa água passou a ser racionada nos dois programas que controlam a distribuição dessa fonte de vida das frutas da região.
Bico da Pedra: barragem em Janaúba/Nova Porteirinha é um "oásis" 11 metros mais baixo.
O projeto Lagoa Grande é responsabilidade da Associação dos Irrigantes da Margem Esquerda do Gorutuba (Assieg), tem 1600 hectares de fruticultura irrigada, dos quais 1388 plantados nas mãos de 54 sócios produzindo 28 mil toneladas/ano, com mão-de-obra de mais de 3 mil trabalhadores e com irrigação que não pode ser mais de segunda a sábado, como o recomendado. Com o racionamento, as águas da barragem que descem pelos canais de irrigação só podem ser bombeadas para distribuição nos pomares hoje apenas três dias por semana. Nesses canais não há desperdício de água, porque ela não escorre de volta para o rio. O desperdício é mínimo por evaporação decorrente do forte calor da região.
Assim também é na margem direita, no Distrito de Irrigação Gorutuba (DIG), com área três vezes maior, mas com um desperdício superior aos 50% da água bombeada do Bico da Pedra, porque além da evaporação ainda tem o problema da quantidade de água que é despejada de volta no rio, perdendo-se sem utilização. Estudos foram feitos para evitar esse desperdício e salvar as frutas com suas características de consistência, beleza física e sabor inigualáveis decorrentes exatamente de clima favorável e solo sadio. Na última sexta-feira, José Aparecido Mendes, presidente do Sindicato Rural de Janaúba, reconhecido pelo governo do “país” MG como um dos mais atuantes do Estado, anunciou assinatura de licitação com o governo Federal para construção de um sistema de tubulação que vai cobrir os canais do DIG e fazer com que a água que passa para aspersão nesse projeto seja armazenada, não desperdiçada, para melhor utilização. Um projeto inicialmente de R$ 90 milhões que em breve estará em execução – diferente de outros programas como Berizal e Jequitaí, citados na Enfoque em 8 de abril, ou o Projeto Jaíba, que teve custo de US$ 500 milhões para irrigação de 67 mil hectares, perto dali e anos atrás.
Junte a isso o heroísmo de uma pecuária que convive há mais tempo com produção de pasto do tipo feno em pé e hoje ainda tem medidas atenuantes como baixar ICMS para o gado da região e facilitar a exportação de uma genética consagrada para outras partes do Brasil, garantindo renda para alguns selecionadores, e temos um quadro de um povo que usa os obstáculos para aprender a saltar.
Pelo menos por enquanto, a gente vê que quanto mais difícil, maior é a vitória do produtor de Janaúba e seus 16 municípios entorno. Aprendi a respeitar aquela gente há sete anos. E o Brasil tem ali um grande exemplo. Não o de como se pode fazer chover num deserto. Mas o de desistir, jamais.
Em foco
* Outro recurso muito bem utilizado pelos fruticultores locais é a perfuração de poços artesianos (1) nas propriedades em busca de boa utilização da água que está nos lençóis subterrâneos do norte mineiro. Visitando um bananal em Janaúba, deparei-me com uma escavação e o encontro da água, como mostram algumas fotos. Só assim é possível dar mais um drible na seca. Por causa do estado de emergência, o governo estadual autorizou a perfuração para agilizar a manutenção da produção e, quando normalizada a situação, corre-se atrás de documentação para outorga. Uma atitude rápida de ser tomada e que precisa ser elogiada. Clique para ampliar as imagens.
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(1) Registros feitos pelo autor em bananal de Janaúba/MG com perfuração de poços artesianos para irrigação de fruticultura. |
* Outra que aprendi num pomar de manga da Fazenda Vale do Sol, da Byo Agropecuária, em Janaúba. Ao ver árvores com folhas e frutos de um lado só pintados de branco (2), como nas imagens, descobri com técnicos locais que aquilo é protetor solar! Um produto específico – pode ser cal diluído levemente em água e borrifado nas plantas – precisa ser aplicado nesta época do ano para evitar que o sol poente resseque as frutas, tirando-as do mercado. Mais uma tecnologia simples e que funciona. Clique para ampliar as imagens.
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(2) Pomar de mangas com árvores protegidas contra o sol poente: protetor solar evita que força da luz seque os frutos. |
* Tem um vídeo que saiu dia desses na internet de um (ou seria uma) indígena escolhendo o cardápio da tribo, dizendo que levaria mandioca para comer com carne de fazendeiro (veja abaixo). Se o pleito total dos indígenas pela terra chegar mesmo a um milhão de hectares, quantos quilos de mandioca serão necessários para preparar a boia na aldeia Brasil? Perigoso. Mas bora largar de churrasco por uns dias que minha personal stilist já danou comigo e eu respeito. Até.
+ Agência Minas exibe série de reportagens sobre o maior projeto de irrigação
+ Produção do Jaíba impulsiona exportações de frutas em Minas Gerais
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Daniel de Paula é publicitário e jornalista desde 1989. Trabalhou em impressos, rádios e televisão a partir de São Paulo, onde foi criado e onde se formou, com destaque para oito anos como comentarista dos canais Sportv/TV Globo até 2004. Hoje é repórter do Canal do Boi, canal integrante do SBA (Sistema Brasileiro do Agronegócio).