Dívida rural: Confira o que é e como funciona o direito ao Alongamento
13 Mar 2022
Ao produtor rural é assegurado o direito de alongar sua dívida, de forma que não comprometa seu patrimônio, nem sua produção.
No financiamento rural, o cronograma de pagamento da dívida deve ser fixado sempre levando em conta o momento em que o mutuário obtém receita da atividade, conforme dispõe o art. 50, inciso V da Lei 8.171/91.
Contudo, não se pode negar o fato de que a atividade agrícola, com facilidade, gera perda de receita e, como consequência, endividamento. Isto nem sempre por má administração do empreendedor, mas muitas vezes em razão dos riscos que cercam o seu desenvolvimento, tais como intempéries climáticas, ataques de pragas e problemas de mercado.
Conhecida como “empresa a céu aberto”, é comum vermos relatos de produtores rurais que perderam boa parte de seu patrimônio, ou entraram em grande dificuldade financeira, por conta de algum revés financeiro sofrido por sua atividade produtiva.
Triste mesmo é saber que muitos desses produtores entraram em dificuldade por não saberem quais são os seus direitos, menos ainda como fazer o seu uso correto para sair dessas situações de risco econômico-financeiro.
Para evitar que o drama se alongue, ou até mesmo para que haja tempo para recuperar o que está prestes a ser perdido, preparamos este artigo com algumas informações relevantes e importantes sobre o alongamento (prorrogação) de dívida rural.
O que é o alongamento de dívida rural?
Ciente dos riscos da atividade agropecuária e da necessidade de proteção constante para não sofrer descontinuidade, a legislação que trata do financiamento rural – art. 4º, inc. IV da lei n. 4.829/65 – assegura ao mutuário o direito de alongar sua dívida, nos moldes do Manual de Crédito Rural – MCR 2.6.4.
O que quer dizer que, se o mutuário não alcança receita em razão de dificuldade na comercialização dos produtos, frustração de safra, ou eventuais ocorrências prejudiciais ao desenvolvimento da exploração, o produtor tem assegurado o direito de modificar o calendário de pagamento do mútuo para um que lhe seja mais conveniente, evitando o comprometimento do seu patrimônio.
Esse é um direito assegurado ao produtor rural para incentivá-lo e apoiá-lo no processo de produzir alimentos, já que o abastecimento alimentar interessa de perto à garantia da tranquilidade social, da ordem pública e do desenvolvimento econômico-social, conforme se lê do art. 2º, inciso IV, da Lei 8171/91.
Por que a lei assegura este direito?
Em primeiro lugar, o que deve ser entendido é que, de fato, o que autoriza a prorrogação da dívida rural é a proteção que se quer dar à atividade agrícola.
A produção de alimentos é, dentre todas as atividades econômicas que se desenvolve no País, seguramente, a que mais influencia direta e positivamente a estabilidade social, a estabilidade econômica e, por que não dizer, até mesmo a soberania do Estado.
Quando se examina a Constituição Federal, a Lei Agrícola e a Lei que institucionalizou o crédito rural no País, é com facilidade que tudo isto pode ser observado.
Em segundo lugar, por certo, a prorrogação de dívida rural tem como objetivo imediato manter o produtor rural em atividade, de modo que o abastecimento alimentar do País não sofra qualquer descontinuidade.
Em terceiro lugar, para que haja proteção efetiva ao setor, a prorrogação deve seguir parâmetros que tornem o alongamento um processo de solução do débito, não uma dilação de prazo que somente adie a crise aguda para tempo um pouco mais distante.
Assim, o produtor rural precisa encontrar, nas novas condições de pagamento do seu endividamento, os meios mais favoráveis para dar satisfação à obrigação sem comprometer sua estrutura de produção que, conforme visto acima, é o bem maior a ser protegido.
Em nossa obra ALONGAMENTO DE DÍVIDA RURAL – Teoria e Prática (editora ÍTHALA – 2020) fizemos uma abordagem mais específica sobre a importância deste mecanismo de prorrogação em favor do setor produtivo primário, considerando que a atividade agrícola é desenvolvida sob riscos intensos e permanentes, o produtor precisa de amparo efetivo para evitar endividamento pernicioso.
Quais dívidas podem ser alongadas?
A regra diz que podem ser alongadas as operações de crédito rural firmadas com bancos ou cooperativas de crédito.
Não há diferença se as operações são lastreadas com recursos obrigatórios ou recursos livres, tampouco precisam estar firmadas em Cédulas Rurais. Deste modo, também podem ser alongadas as operações realizadas em CCB (Cédula de Crédito Bancário), por exemplo, uma vez que tanto a lei quanto o Banco Central admitem a utilização deste título para materializar operações de crédito rural.
Há algumas exclusões, como as linhas especiais de financiamento, programas como o PESA ou a Securitização e quando a lei expressamente dispõe que determinado crédito não pode ser alongado (exceção, sempre prevista em normas próprias).
Quando posso pedir o alongamento?
Sempre que ocorrer alguma das hipóteses previstas na regra geral do Manual de Crédito Rural, editado pelo Banco Central, em Leis e em Resoluções do Bacen.
A regra geral para o alongamento contemplam as seguintes hipóteses:
a) dificuldade de comercialização dos produtos;
b) frustração de safras, por fatores adversos;
c) eventuais ocorrências prejudiciais ao desenvolvimento das explorações.
O alongamento de dívida rural era tratado no Manual de Crédito Rural (MCR) no item 2.6.9. Em 2021, contudo, houve uma reforma no MCR e a disciplina do alongamento passou a se encontrar no item 2.6.4, com nova redação.
Para entender o que mudou, acesse: O novo alongamento de crédito rural – MCR 2.6.4
*As Leis e Resoluções específicas que autorizam o alongamento não foram analisadas por conta de sua especificidade e transitoriedade, tal qual a Res. 4.755/19, que foi abordada em artigo específico.
Ocorrida uma ou mais dessas hipóteses (regra geral), ou havendo alguma normativa específica, cabe ao produtor exercer seu direito, solicitando o alongamento junto ao banco financiador. Para isso, vão algumas dicas muito importantes, que, se não observadas, podem acarretar a perda do direito de prorrogar:
Faça pedido administrativo antes do vencimento
Para exercer o direito de prorrogar a dívida, o mutuário deverá fazer duas provas principais, e isto por todos os meios em direito admitidos, a saber:
1ª) que a situação adversa aconteceu (dificuldade de comercialização, frustração, desenvolvimento prejudicado da exploração); e
2ª) que a capacidade de pagar foi comprometida temporariamente.
De posse dessas duas provas, o mutuário deverá notificar a instituição sobre o interesse de prorrogar, inclusive apresentando desde logo o novo cronograma de pagamento, que deverá ser fixado em face da sua nova realidade econômico-financeira.
Por sua vez, a instituição financeira deverá atestar a necessidade da prorrogação, bem assim que o mutuário tem capacidade para pagar a dívida na forma como a prorrogação foi requerida.
A necessidade de prorrogar será atestada em face da dificuldade temporária para pagar apresentada pelo devedor, enquanto a capacidade de pagar levará em conta o potencial produtivo do mutuário.
O que é importante considerar é que tanto a constatação da necessidade de prorrogar, quanto a da capacidade de pagar não seguem critérios subjetivos e arbitrários do financiador, mas sim normas específicas do próprio Manual de Crédito Rural e das Leis 4.829/65 de 8.171/91, já que se trata de crédito que tem disciplina em legislação especial.
Como esse pedido irá constituir direitos e deveres para quem escreve, é de extrema importância que ele seja feito por meio de um advogado, pois, caso tenha que buscar seu direito perante o Poder Judiciário, o direito estará melhor protegido e a produção da prova realizada na fase anterior terá se dado de forma bem estruturada. São vários os casos em que uma notificação mal escrita, ou porque falou muito, ou porque falou pouco, levou o produtor a perder o direito de alongar seu débito.
O mutuário rural deve ter sempre em mente que direito mal exercitado é direito perdido e direito perdido é patrimônio diminuído.
Faça provas da incapacidade de pagamento
Há um preceito jurídico que diz “a prova cabe a quem alega”. Assim, neste caso, caberá ao produtor provar a incapacidade de pagamento da safra, o que pode ser feito através de laudos periciais e demais documentos indicados por seu advogado.
Para auxiliar, já que este é um dos temas mais complicados de uma demanda, preparamos um material específico para auxiliar os produtores, passo a passo, a comprovar as perdas de safra, que você poderá obter gratuitamente clicando aqui. Quanto mais documentos você produzir, melhor.
Essa prova das perdas só é dispensável quando alguma norma específica do Banco Central atinge uma coletividade e a isenta da prova das perdas. Por exemplo, se editada uma norma dispondo sobre “autorização para prorrogação de custeios de arroz de rizicultores do estado do Rio Grande do Sul”, todos produtores de arroz daquele estado teriam direito ao alongamento, independente da prova de perdas.
Resoluções assim geralmente saem quando o fato é público e notório e atinge toda uma região, provocando forte desequilíbrio financeiro. Neste caso, preenchendo os demais requisitos da norma, basta o requerimento do devedor para a formalização.
Tenha um cronograma de pagamento
É necessário que o produtor também tenha em mãos um laudo de cronograma de pagamento, isto é, um laudo de fluxo de caixa que contenha, ano a ano, as receitas e despesas previstas e o saldo que sobrará para pagamento das dívidas que poderão ser alongadas.
Este documento pode ser feito pelo engenheiro agrônomo ou contabilista que acompanha o empreendimento. Também pode ser contratado um economista ou, quando o produtor tem bom conhecimentos de administração e planilhas, ser feito pessoalmente.
O importante é que o documento seja o mais próximo possível da realidade financeira do empreendimento e contenha ali os custos de cada safra, as receitas esperadas, as despesas programadas e quanto será destinado, ano a ano, para o pagamento da dívida que se quer pactuar.
Não obstante, é importante que, antes de ser enviado ao banco, essa planilha também seja analisada pelo advogado do empreendimento, pois uma afirmação equivocada poderá complicar o pedido administrativo dirigido ao banco, ou até mesmo o pedido judicial.
Abaixo, listamos as questões centrais a serem observadas na concessão do alongamento, a saber:
1. A capacidade real de pagamento do devedor deve ser medida em parâmetros seguros, de modo que o novo cronograma de cumprimento do débito seja exequível. Em outras palavras:
I. O novo calendário deverá se enquadrar na capacidade de pagamento do produtor;
II. E os vencimentos devem coincidir com a época de obtenção de receitas (safra).
Por isso, pode ser deferida prorrogação por 5, 7, 10, 12 anos, com ou sem carência. A lei não estabelece limite mínimo ou máximo para alongamento, tampouco a necessidade de pagar determinado percentual para que seja efetivada. O prazo dependerá da prova produzida pelo produtor rural e deverá se enquadrar em sua capacidade de pagamento.
2. No novo instrumento, as taxas de juros remuneratórios não podem ser alteradas para maior. Quando, todavia, novo índice é fixado em taxa menor por ato da Autoridade disciplinadora, sua redução é necessária.
3. Os juros moratórios, observando o preceito legal especial, não admitem taxa superior a 1% ao ano (sobre os juros de mora, veja mais aqui).
4. As garantias reais pré-existentes à prorrogação não podem ser aumentadas para comprometer o patrimônio do devedor;
5. A mudança de garantia hipotecária para garantia de alienação fiduciária de bem imóvel, por exemplo, não pode ser admitida;
6. Não se admite que o devedor firme uma confissão de dívida com números inflados pela aplicação de penalidades moratórias elevadas, o que é feito, muitas vezes, para assegurar o direito de pagar um valor menor (dívida negociada por R$500.000,00, mas, se atrasar, vai para R$1.000.000,00), sob o risco de responder por todos os números confessados.
Estas e outras questões devem ser exigidas pelo devedor na firmação da prorrogação negociada administrativamente com o credor, por direito seu. Caso haja resistência do financiador em firmar documento nestes termos, não é aconselhável assinar a prorrogação desfavorável para, mais tarde, tentar revisá-la judicialmente. Uma vez instalado o impasse entre as partes, o caminho para a solução é o Judiciário e para isto o devedor precisa lançar mão de medidas processuais que sejam capazes de proteger seu direito.
Fonte: Dia Rural