Entenda como a crise global dos fertilizantes pode afetar o Brasil
03 Nov 2021
Cenário tem relação com falhas nas cadeias de produção mundial provocadas pela pandemia de covid-19
A crise de fertilizantes que se espalhou pela Europa, Estados Unidos e Ásia pode se refletir em uma alta nos preços dos alimentos no Brasil no ano que vem. Ela ocorre principalmente devido a interrupções nas cadeias globais de produção causadas pela pandemia e vem levantando preocupação internacional sobre desabastecimento de alimentos.
Em meio ao cenário de escassez e alta de preços de fertilizantes, autoridades do governo e parlamentares brasileiros discutem a possibilidade de aumentar a produção nacional desses insumos agrícolas.
O debate ganhou volume no início do mês, quando o presidente Jair Bolsonaro disse que os preços dos alimentos vão subir mais em 2022 e que pode haver problemas de abastecimento. Ele atribuiu o problema à China e à crise energética global.
O Brasil é atualmente o quinto maior consumidor de fertilizantes do mundo devido à força de seu setor agrícola, mas detém somente 2% da produção global, segundo relatório da consultoria Cogo especializada em agronegócio.
De acordo com a entidade, o país importa 91% do que consome de potássio e 51% de fósforo, dois dos três principais insumos necessários à produção agrícola (o terceiro é o nitrogênio). Por isso, o Brasil sofre impacto direto da crise global.
Causas da crise global dos fertilizantes e aumento de preços
Diversos fatores levaram à atual crise, segundo analistas. Um desses motivos foi uma série de sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos e pela União Europeia a Belarus, no leste europeu. Elas entraram em vigor depois que o governo do presidente Alexandr Lukashenko forçou o pouso de um avião de passageiros que passava pelo espaço aéreo do país para prender um opositor em junho.
Belarus produz cerca de um quinto do potássio usado em fertilizantes no mundo e a suspensão das exportações pressionaram o valor do produto. Lukashenko é um dos principais aliados do governo russo, que também é alvo de sanções das potências ocidentais.
Outro fator que fez os preços dos fertilizantes dispararem foi a escassez e consequente alta nos preços do gás natural na Europa, decorrentes da crise energética global deflagrada em maio. Como o gás natural é necessário para a produção de fertilizantes nitrogenados como amônia e uréia, os principais produtores europeus diminuíram a produção.
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Nos Estados Unidos, a passagem dos furacões Ida e Nicolas gerou suspensão temporária da produção de fertilizantes, o que colaborou para pressionar ainda mais os preços mundiais.
Os governos da China, da Índia e da Turquia, também grandes produtores de fertilizantes, suspenderam as exportações desse tipo de produto para controlar a alta dos preços nos seus mercados internos. A Rússia estuda medida similar.
Na China, a produção de fertilizantes e também de defensivos agrícolas caiu devido ao fechamento de fábricas provocado pela alta nos preços da energia elétrica causados pela escassez de carvão.
Segundo relatório da consultoria Cogo, a China e a Rússia estão entre os maiores fornecedores de fertilizantes para o Brasil. Esses insumos são usados especialmente em lavouras brasileiras de soja, milho e cana de açúcar.
Pandemia gerou falhas em cadeias globais de suprimentos
A crise de fertilizantes não é um cenário isolado de um tipo específico de produto. Ela está diretamente relacionada a falhas nas cadeias de produção global provocadas pela pandemia de covid-19, segundo Felippe Serigati, coordenador do mestrado profissional em agronegócios da Fundação Getúlio Vargas.
“Houve disrupção em diversos mercados, a questão dos fertilizantes é só mais um capítulo dessa crise”, disse ele.
Segundo o analista, estão relacionados ao problema dos fertilizantes a inflação nos preços de commodities como energia e metais e também a incapacidade das redes de transporte marítimo mundial em escoar a produção de insumos e bens na retomada econômica pós-pandemia.
Outro fator citado por Serigati foi o aquecimento da demanda por produtos gerada por medidas de estímulo à economia adotadas por diversos países, especialmente os Estados Unidos.
Safras de 2022 devem ser impactadas no Brasil
Segundo Serigati, a safra de verão brasileira, que é plantada entre os meses de agosto e outubro, não deve ser impactada pela escassez global de fertilizantes. Isso porque esses insumos já haviam sido adquiridos pelos produtores e estão nas plantações.
Já as safras que serão plantadas no primeiro trimestre de 2022, a safrinha do milho e as safras de inverno, devem ser prejudicadas pela alta nos preços dos fertilizantes — empresários do agronegócio que anteciparam a compra para a safrinha já se deparam com altas nos preços.
Mas, segundo o analista, os produtores possuem condições de viabilizar as safras do ano que vem usando menos fertilizantes. A consequência seria uma produção menor que a do ano passado e uma alta nos preços — mas não a escassez de alimentos.
“A gente vai ter que encarar mais um ano com alimentos operando com preços elevados”, afirmou.
De acordo com Renato Conchon, coordenador do Núcleo Econômico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), todos os produtores serão prejudicados pela alta dos preços do fertilizantes. Mas apenas uma parcela deles, os exportadores, serão beneficiados por uma alta de preços de alimentos no mercado internacional.
“Compensa para quem vende no exterior (soja, milho e trigo), mas não para quem vende produtos internos, como cebola, batata e mandioca”, afirmou.
Já no cenário externo, a multinacional norueguesa Yara, uma das maiores produtoras de fertilizantes do mundo, afirmou que a crise energética pode escalar para uma crise mundial de alimentos, segundo o jornal britânico Guardian. Em tese, isso poderia deflagrar a fome em países mais vulneráveis, caso ações imediatas não sejam tomadas.
Debate sobre aumento da produção nacional de fertilizantes
Embora esse não seja o caso do Brasil, o temor de desabastecimento tem levado o governo a cogitar um plano para aumentar a produção nacional de fertilizantes. Pela segunda vez este mês, a discussão é tema de uma audiência pública nesta quinta-feira,28, na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado.
“Precisamos correr contra o tempo. O Ministério da Agricultura e o Itamaraty têm de entrar em campo para a crise não comprometer o agronegócio”, disse o senador José da Cruz Marinho, o Zequinha Marinho (PSC-PA), autor do requerimento para a audiência.
O assunto também é discutido por um grupo de trabalho interministerial, criado em janeiro e liderado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos, para elaborar um Plano Nacional de Fertilizantes.
Porém, Serigati afirmou que a capacidade do governo agir para produzir fertilizantes nacionalmente é limitada. Até agora, nenhuma medida específica foi anunciada pelo Executivo.
Fonte: Revista Oeste