03 Feb 2022

 

Há pelo menos 200 anos, o cultivo do cacau sob a sombra das árvores da Mata Atlântica no sul da Bahia, conhecido como cabruca, promove a conservação do ambiente natural da região. Um estudo inédito acaba de traduzir em números o quanto essa relação ajuda a mitigar as mudanças climáticas, mensurando o estoque de carbono nas propriedades que utilizam esse sistema agroflorestal. E o resultado foi uma surpresa para os pesquisadores: a cabruca é capaz de estocar, em média, 66 toneladas de carbono por hectare. “O estudo ainda não faz essa comparação, mas estimamos que isso seja quase o dobro da quantidade encontrada no cultivo do cacau a pleno sol, que é de 35,6 toneladas”, explica Camila Estevam, bióloga consultora e uma das responsáveis pelo estudo. Embora a cabruca tenha menos pés de cacau em relação ao cultivo sem sombreamento, as árvores nativas e exóticas compensam no estoque. Na cabruca, apenas as árvores de cacau são responsáveis por, em média, cerca de 40% do carbono presente nesse sistema. 

 

Fruto de uma parceria entre o Instituto Arapyaú, a Dengo Chocolates, o World Resources Institute (WRI) e a Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), o estudo buscou compreender a correlação entre a produtividade do cacau, o sombreamento e o estoque de carbono presente nas 17 propriedades estudadas. Todas fornecedoras da Dengo Chocolates, elas estão distribuídas em 11 municípios, possuem diferentes tamanhos e cabrucas heterogêneas – variando o porte e as espécies das árvores sombreadoras, tipos e intensidades de manejo, declives do terreno, entre outros. 

 

Para calcular o CO2 acumulado, foi realizado um levantamento das árvores presentes numa amostra de ¼ da propriedade. Nesse inventário florístico foram contadas 2.713 árvores, distribuídas em 153 espécies, sendo cinco ameaçadas de extinção. Além da quantidade de árvores, o cálculo leva em conta a altura e o diâmetro, e também a densidade da madeira, que varia conforme a espécie de cada uma. Para uma produção ser considerada cabruca, é preciso que haja pelo menos 20 árvores nativas por hectare, segundo decreto estadual da Bahia. A média das propriedades estudadas foi de 54.

 

O resultado mostra uma “fotografia” de quanto carbono há estocado nas propriedades naquele momento. “Existem cabrucas muito antigas, com cacaueiros de mais de 100 anos, então não foi possível precisar a dinâmica do carbono no sistema, ou seja, quanto ela sequestra do ambiente enquanto está crescendo”, explica Camila Estevam.

 

O cálculo mostra que as propriedades com mais árvores têm, consequentemente, mais estoque de carbono, porém uma produtividade menor. O estudo possibilita entender esse “conflito” para pensar alternativas em que o produtor possa ser compensado financeiramente para continuar estocando carbono. Os dados também demonstraram que existe uma forte correlação entre práticas frequentes de manejo – como adubação, roçagem, controle de pragas e polinização – com a taxa de produtividade de cacau. Ou seja: com o manejo adequado, é possível obter valores altos de estoque de carbono e sombreamento – o que significa manter as árvores em pé –, sem comprometer questões econômicas.

 

Os cacaueiros precisam de sol para produzir. Segundo o Estudo de Viabilidade Econômica do Cacau, publicado em novembro de 2021, cabrucas com sombreamento de até 30% são viáveis economicamente, já aquelas com alto sombreamento não são convenientes para o agricultor, pois não produzem o suficiente para retornar o investimento aplicado.

 

A diferença entre o “excesso” de sombra e a quantidade de sol que o produtor precisa para produzir poderá, a partir desse estudo, ser contabilizada e convertida em Pagamento por Serviço Ambiental (PSA). “Apesar de ser um sistema agroflorestal, a cabruca é uma monocultura. Dependendo da quantidade de sombra que a propriedade tem, a conta não fecha para o agricultor. O produtor que não pode mexer muito nessa sombra, por ter muitas árvores nativas, teria que ter alguma compensação pela produtividade perdida”, afirma Grazielle Cardoso, analista do Programa de Desenvolvimento Territorial do Sul da Bahia do Instituto Arapyaú. “Queremos estruturar um mecanismo de pagamento por esse serviço ambiental prestado, a começar pelo carbono, mas que no futuro pode ser ampliado para outras questões, como água e biodiversidade.” A previsão é que ainda neste ano um modelo de mecanismo de PSA seja desenvolvido especialmente para o estoque de carbono em cabrucas.

 

A pesquisa utilizou como base o GHG Protocol (Greenhouse Gas Protocol), um pacote de padrões, orientações e ferramentas utilizado por empresas e governos para mensurar as emissões de gases do efeito estufa geradas pela atividade humana. A tecnologia foi aplicada pelo WRI e é um modelo padronizado globalmente, mas cada país pode adequá-lo à sua própria realidade. Para esse estudo foi utilizada uma adaptação da metodologia GHG Protocol Florestas e SAfs, desenvolvida para o contexto brasileiro de plantações florestais e agroflorestais, atividades econômicas de menor impacto no clima.

 

Para uma segunda fase do estudo, é prevista a criação do GHG Protocol Cacau, metodologia específica para a produção agroflorestal do fruto. A ferramenta contemplará características únicas da cabruca, como por exemplo, espécies de árvores que só existem na Mata Atlântica. “Hoje, se o produtor quiser mensurar o estoque de carbono na cabruca, não há uma ferramenta pronta. Esse estudo está preparando o terreno para isso, o que vai ajudar o produtor a entender a dinâmica da propriedade dele e entrar nesses novos mercados de carbono”, destaca Camila.

 

Também é previsto que a amostragem da próxima fase seja de pelo menos 80 propriedades, expandindo e aprofundando os dados, principalmente para entender melhor a relação entre o tipo de manejo, a produtividade e o sombreamento, o que pode gerar mais conhecimento compartilhado sobre as técnicas de cultivo do cacau.

 

Conforme um estudo realizado pelo Instituto Floresta Viva, 79% das propriedades rurais do território litoral no sul da Bahia produzem amêndoas de cacau, sendo que 78% são produzidas no sistema cabruca. Há uma estimativa de que 59% de todo o carbono acima do solo da região do sul da Bahia esteja nas cabrucas.

 

 

Fonte: Notícias Agrícolas



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